Há influência musical no equilíbrio humano?
A variedade de sons alcançados pelas notas musicais na integração entre instrumentos e vozes humanas exerce grande influência na emoção e no desenvolvimento das criaturas humanas. Claro que com variedades, pois determinada melodia poderá trazer lembranças agradáveis a alguém, provocar melancolia e até entusiasmo em outras, enquanto nada provoque em muitas pessoas.
O tema é interessante e mereceu uma única pergunta de Kardec em O Livro dos Espíritos: a de número 251. Mas há observações valiosas em Obras Póstumas e na Revista Espírita.
Sem preocupar-nos com a história da música, biografia de grandes mestres ou outras informações de caráter cultural ou histórico, procuremos analisar o tema, à luz da Doutrina Espírita, sobre lembranças e emoções que a música provoque na sensibilidade humana. Afinal o que diz a Doutrina Espírita?
Em Obras Póstumas, no capítulo A Música Celeste, numa reunião familiar, a filha indaga ao pai se haveria música no Plano Espiritual. Sob ação mediúnica, ela escreve resposta do Espírito: O som de nossos instrumentos, a nossa mais bela voz, não podem dar a mais fraca idéia da música celeste e sua suave harmonia.
Logo mais o Espírito São Luiz ensina: A filha, desligando-se parcialmente, foi admitida nas regiões celestes onde pode perceber as impressões da harmonia celeste e expressou “Que música! Que música!”
E Kardec indaga o compositor Rossini* (Espírito) sobre o estado atual da música e sobre as modificações que lhe poderiam trazer a influência das crenças espíritas e a resposta do Espírito inicia-se com abordagem sobre harmonia. Segundo o dicionário, a palavra harmonia significa sucessão de sons agradáveis ao ouvido. Arte de formar e dispor os acordes musicais. Concórdia, paz e amizade entre pessoas. Ordem, coerência. O Espírito Rossini, todavia, em outras palavras, define harmonia como: resultante de um arranjo musical; como um sentido íntimo da alma e que é percebida em razão do desenvolvimento desse sentido íntimo da alma.
E oferece-nos esta pérola de pensamento: “(…) O Espírito produz os sons que quer. (…) Aquele que compreende muito, que tem nele a harmonia já conquistada, age sobre o fluido universal e reproduz o que o Espírito concebe, sente e quer (…)”.
Numa comparação, usando inclusive o pensamento de Rossini, podemos dizer que o éter vibra a ação da vontade do Espírito. A harmonia que traz em si se concretiza como a exalar o perfume, com lentidão ou rapidez, como no som harmonioso que se espalha. O Espírito que já conquistou a harmonia é como aquele que tem a aquisição intelectual. O Espírito sábio que ensina a ciência sente-se feliz por ensinar os que não sabem. O Espírito que faz o éter ressoar com os acordes da harmonia que já traz em si, sente-se feliz de ver satisfeitos os que o ouvem. E do mesmo Espírito, encontramos essa definição magistral: A música é o médium da harmonia.
Ela é, pois, essencialmente, moralizadora, uma vez que leva harmonia às almas, que por sua vez as eleva e as engrandece. Deduz-se, pois, que a música exerce uma feliz influência sobre a alma e a alma que a concebe exerce também uma influência sobre a música.
A alma virtuosa que tem a paixão do bem, do belo, que adquiriu a harmonia, produzirá obras primas capazes de penetrar as almas mais blindadas, fechadas em si mesmas, e comovê-las. Já o compositor terra-a-terra como poderá representar a virtude que ele despreza, o belo que ignora ou o grande que ele não compreende? Suas composições serão o reflexo de seus gestos sensuais, de sua leviandade. Serão obscenas, licenciosas, sensuais e causarão mais danos que melhorar os ouvintes.
É aí que o pensamento de Rossini, adaptando-o com texto de nossa autoria, aparece em toda sua grandeza: O Espiritismo, moralizando os homens, exercerá, pois, grande influência sobre a música. Por sua vez, ouvintes moralizados, apreciarão músicas elevadas, deixarão de lado a música frívola que se apodera das massas.
Na Revista Espírita, de maio de 1858, entretanto, Kardec entrevista o compositor Mozart (1756-1791), que foi famoso menino prodígio (aos 4 anos já tocava de cor e aos 5 já compôs), e que declarou “Quando estou em boas disposições e inteiramente só, durante o meu passeio, os pensamentos musicais me vêm com abundância. Ignoro donde procedem esses pensamentos e como me chegam; nisso não tenho a mínima vontade, a menor intervenção”. Habitante de Júpiter, revelou: “Onde habito, há melodia em toda parte: no murmúrio das águas, no ciciar das folhas, no canto dos ventos; as flores rumorejam e cantam; tudo produz sons melodiosos. Sê bom, alcança este planeta pelas tuas virtudes”. E fornece essa pérola para esse tema: A música religiosa ajuda a elevação da alma. O pensamento compõe e os ouvintes desfrutam. Claro que a história humana registrou a presença de grandes gênios da música em nosso planeta. Seria impossível relacioná-los todos num simples artigo, abordar suas conquistas e feitos, a genialidade que nos ofereceram. Optamos por Mozart, pois que presente na Revista Espírita.
E na mesma publicação, de maio de 1861, o Espírito Lamennais (brilhante escritor, figura influente e controvertida na história da igreja francesa e ordenado padre aos 34 anos) afirma: a música é a arte que vai mais direta ao coração.
Já na edição de janeiro de 1869, o mesmo Rossini afirma: para ser músico, não basta mais alinhar as notas sobre uma pauta, de maneira a conservar a justeza das relações musicais: assim só se produz ruídos agradáveis; mas é o sentimento que nasce sob a pena do verdadeiro artista. É ele que canta, que chora, que ri. Mas para dar alma à música, para fazê-la chorar, rir, uivar, é preciso em si mesmo ter sentido estes diferentes sentimentos de dores, de alegrias, de cólera.
E Kardec, com toda sua lucidez, também na Revista Espírita, exemplar de setembro de 1864, nos traz essa importante revelação: A música comove as fibras entorpecidas da sensibilidade e as predispõe a receber as impressões morais. A música amolece a alma – é poderosa auxiliar de moralização.
Nesta altura, como poderíamos esquecer os grandes nomes da música nacional e internacional? Vozes inesquecíveis, melodias extraordinárias, compositores, autores, intérpretes, conjuntos, maestros, letras e apresentações que marcaram época e conquistaram memórias em todos os tempos, em composições inesquecíveis e belíssimas.
Neste ponto, podemos buscar a questão 251 de O Livro dos Espíritos: Os Espíritos são sensíveis à música? E a resposta: Queres falar da vossa música? O que ela é diante da música celeste? Desta harmonia que nada sobre a Terra pode vos dar uma idéia? Uma é para a outra o que o canto do selvagem é para a suave melodia. Entretanto, os Espíritos vulgares podem experimentar um certo prazer em ouvir a vossa música, porque não são ainda capazes de compreender outra mais sublime. A música tem para os Espíritos encantos infinitos, em razão de suas qualidades sensitivas muito desenvolvidas. Refiro-me à música celeste, que é tudo o que a imaginação espiritual pode conceber de mais belo e de mais suave.
Tudo isso para pensarmos no esforço da espiritualidade em despertar nossa sensibilidade. Seja através da música religiosa – em corais, conjuntos ou valores individuais’ –, de qualquer denominação, seja pelas canções que marcam as crianças para sempre ou pelas melodias dos grandes gênios musicais de nossa história… Ou mesmo, e por que não, nas músicas contemporâneas e fruto do regionalismo, em todo o planeta?
É que a música é também um dos instrumentos de despertamento da sensibilidade humana. Existem vários, como a dor através da expiação; as provas através dos obstáculos; a fé como virtude, entre tantos outros. E entre eles, a música, para elevar nosso padrão vibratório e nos convidar a pensar na grandeza de Deus.
Ponderemos que estamos num mundo de provas e expiações, onde ainda há império do mal. E se, num plano de provas e expiações, já temos os sons magníficos da natureza, a voz humana que sensibiliza nos esforços e combinações vocais, e a presença das belas músicas que nos ajudam a viver com mais harmonia, podemos imaginar o que nos aguarda para o futuro?
Selecionemos, pois, as belas conquistas que já possuímos no campo desta arte maravilhosa que é a música, para elevarmos o padrão espiritual de nossos ambientes. Deixemo-nos comover pela mensagem que trazem; reflitamos nas motivações que ensejaram a concepção dessas peças que verdadeiramente nos comovem pela beleza e sublimidade. E, obviamente, prestemos também mais atenção no canto dos pássaros; no latido dos cães e sons característicos de outros animais; nos sons naturais de trovoadas, chuvas e ventos e mesmo na variedade das vozes humanas, para percebermos o quanto o som influencia nossa harmonia ou desarmonia interior. É, como em tudo, uma questão de seleção e afinidades. Aprendamos, pois, a selecionar…
*Gioacchino Antonio Rossini – Compositor italiano – 29-11-1792 – 13-11-1868
Nota do autor: As transcrições efetuadas nesta matéria foram de edições do Instituto de Difusão Espírita, com tradução de Salvador Gentille.
Matéria publicada originariamente na REVISTA INTERNACIONAL DE ESPIRITISMO, edição de dezembro de 2004.